A
concepção de infância que temos na atualidade é completamente
diferente das sociedades na idade média. Hoje temos claramente a
concepção de que a infância é uma das fases do desenvolvimento
humano mais importante, que compreende o período de 0 a 12 anos,
sendo dividida em primeira infância (0 a 3 anos), segunda infância
(3 a 6 anos) e terceira infância ( 6 a 12 anos). Este período é
marcado por um grande desenvolvimento na pessoa em seus aspectos
físicos, emocionais, sociais e intelectuais, e possui
especificidades próprias e requer atenção especial. Hoje sabemos
que a criança é diferente do adulto e tem necessidades, desejos e
precisa de cuidados específicos.
Em
tempos remotos, segundo Ariés, até o século 12, os relatos sobre
a participação da mesma, no meio social, era quase invisível. A
infância não existia. Registros mostram que a criança começa a
aparecer no cenário social, entre os séculos 13 a 16, retratadas
por artistas em algumas obras de arte.
No
Brasil, apesar das interferências de etnias e das culturas trazidas
pelos nossos colonizadores, o tratamento às crianças como um ser,
“sem muita importância”, se assemelhavam ao tratamento europeu.
A história relata crianças escravas, imigrantes e órfãos, que
vinham nos porões das embarcações nesse período turbulento ,
quando não morriam na viagem, padeciam como escravos nas fazendas e
os órfãos eram explorados como mão de obra sem remuneração.
Tinham somente como recompensa o alimento, vestimenta e moradia das
famílias que o adotavam. A partir dos 7 anos de idade, as crianças
estavam aptas a serem inseridas para a aprendizagem de tarefas
domésticas, entres outras atividades e convívio social com os
adultos. Vale ressaltar que esse tratamento, como nos dias atuais,
cabia as crianças de famílias pobres; aos filhos dos ricos, a
criação era mais voltada aos estudos e formação intelectual,
porém a concepção de infância era a mesma.
Somente
a partir do século 16, começa a surgir um sentimento de valorização
social das crianças e com ele, um comportamento diferente da
sociedade, a paparicação e a exasperação, como relatado na
citação abaixo:
“Contudo,
um sentimento superficial da criança – a que chamei de
“paparicação” – era reservado á criancinha em seus primeiros
anos de vida, enquanto ela ainda era uma coisinha engraçadinha. As
pessoas se divertiam com a criança pequena como um animalzinho, um
macaquinho impudico. Se ela morresse então, como muitas vezes
acontecia, alguns podiam ficar desolados, mas a regra geral era não
fazer muito caso, pois outra criança logo a substituiria. A criança
não chegava a sair de uma espécie de anonimato” (ÁRIES,1981,
p.10).
Em
outras palavras, a criança era como um objeto de diversão da
família e mais ao mesmo tempo um ser tratado com rígidez. Mesmo com
uma tímida valorização da infância por parte da sociedade
europeia, os índices de mortalidade, principalmente nos primeiros
anos de vida, era muito grande.
Ainda
no século 17, a Europa Ocidental começava a passar por
transformações culturais, sociais e econômicas. O capitalismo e a
criação de instituições de ensino, era algumas das mudanças que
impactaram esse período da história. Durante este redemoinho de
transformações, surgem dois pensadores o inglês John Locke e o
suíço Jean Jacques Rousseau. Locke, afirmava que a criança era um
papel em branco e que seria moldada conforme o meio que vivia. Já
Rousseau, defendia a teoria da pureza e inocência das crianças e
que as instituições sociais seriam as principais responsáveis por
corrompê-las. Este intelectual, começou a despertar a concepção
que a criança tem a sua natureza e especificidades próprias e estas
precisam ser respeitadas.
Entre os séculos 17 a 19, teve-se uma visão romântica da infância, a criança passou a ser vista como seres pensantes, sensíveis e de consciência moral de valores.
Finalmente
a partir do século 19, nos EUA a classe média passaria a ter uma
visão de infância diferente de tudo que até então se conhecia.
Segundo a nova concepção, a criança necessitava de espaço para
brincar, afeto, cuidado e proteção. Vale destacar que contraditório
a essa nova concepção, as crianças de famílias pobres da época,
tinham que trabalhar para ajudar os pais, uma realidade do passado,
mas que continua, em alguns casos, historicamente presente nas
sociedades com baixo poder aquisitivo.
Acredita-se
que os estudos realizados por Áries sobre a infância, tenha
contribuído de forma decisiva e significativa, problematizando,
abrindo questionamentos e chamando a atenção da sociedade para a
valorização da criança no contexto social, econômico e humano.
Quando
nos referimos a valorização da infância e da psicologia do
desenvolvimento humano, não poderíamos deixar de citar Henri
Wallon, esse notável estudioso e teórico, que criou a teoria da
psicogênese. Segundo ele, o desenvolvimento infantil é marcado por
suas sucessivas etapas, cujo o ritmo é de descontinuidade, rupturas,
retrocessos e reviravoltas. E estudando a criança, Wallon descobriu
o desenvolvimento do homem na sua plenitude.
Wallon,
divide sua teoria em estágios: impulsivo emocional, sensório-motor
e projetivo, personalismo, categorial e estágio da adolescência.
Wallon, grande teórico da inteligência emocional. Conforme o mesmo,
na primeira e segunda infância, ocorrem uma das mais importantes
etapas do desenvolvimento humano, a socialização. Nessa etapa, há
uma explosão de emoções e uma entrega quase que total ao afeto,
brincadeiras e a confiança na proteção dos pais. A exemplo
disso, a amizade com outras crianças sem distinção de cor, raça,
condição social e econômicas. E nessa fase onde se desenvolve a
comunicação através do choro, estabelecendo as primeiras relações
de conquista de pessoas e de mundo.
É importante destacarmos também
a contribuição de outros estudiosos para a desenvolvimento da
infância, como Pestalozzi e Froebel que criaram os Jardins de
Infância.
O
tempo passa, as mentes mudam, as sociedades se transformam e os
desafios antigos continuam. De fato, hoje constatamos que o conceito
de infância de acordo com os estudos de Áires, ao longo dos séculos
sofreu mudanças, transformações importantes e significativas, no
sentido de despertar na comunidade científica e sociedade
questionamentos, problematizações e soluções para valorização e
inclusão da criança como pessoa humana, completa, porém em
desenvolvimento e com especificidades próprias. De acordo com o
RCNEI:
“Modificar essa concepção de educação assistencialista significa atentar para várias questões que vão muito além dos aspectos legais. Envolve, principalmente, assumir as especificidades da educação infantil e rever concepções sobre a infância, as relações entre classes sociais, as responsabilidades da sociedade e o papel do estado diante das crianças pequenas.” (Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, 1998, p.17).
Há
novos desafios na contemporaneidade, outros são bem antigos, como a
exploração do trabalho infantil, a pedofilia, a violência sexual,
a precarização da saúde, a fome, a falta de moradia digna. Outros
desafios se apresentam na contemporaneidade como o uso indiscriminado
da internet, a pornografia infantil, o suicídio infanto-juvenil
influenciado por jogos digitais, a falta de limites entre pais e
filhos que tem reflexos na Escola com a indisciplina, desrespeito aos
professores, violência, evasão, falta de interesse pelos estudos,
uso de drogas, a alfabetização incompleta, o aumento de crianças
com deficiências, entre outros. Portanto, se faz necessário a
criação de novas políticas públicas de inclusão, apoio e
proteção a infância e a adolescência em situação de risco e de
vulnerabilidade.
É
notório e de conhecimento público que nos últimos anos, recebemos
novos reforços como a LDB, o Estatuto da Criança e do Adolescente,
Conselho Tutelar, Disque 100 e entre outros. É importante também
ressaltarmos a ajuda internacional por parte da UNICEF- Fundo das
Nações Unidas Para o Desenvolvimento da Criança e da Adolescência,
órgão internacional criado em 1950, com sede em Nova York, que tem
como objetivo a defesa dos direitos das crianças e adolescentes em
todo mundo. No Brasil, sua atuação se concentra nas regiões norte
e nordeste, premiando com o selo Unicef os municípios que se
destacam na promoção, proteção e desenvolvimentos de crianças e
adolescentes.
REFERÊNCIAS:
XAVIER, Alessandra Silva; NUNES, Ana Ignez Belém Lima. Psicologia do Desenvolvimento. 126p. 2ª Edição. Publicação do Sistema UAB/UECE. Fortaleza. 2011.
ROCHA, Antônia Rosimar Machado e. História da Educação. 98p. 2ª Edição. Publicação do Sistema UAB/UECE. Fortaleza. 2010.
LIMA, Maria Socorro Lucena; SILVA, Elisangela André de; BRITO, Célia Maria Machado de. BARRETO, Marcília Chagas. Metodologia do Trabalho Científico. 94p. 2ª Edição. Publicação do Sistema UAB/UECE. Fortaleza. 2010.
ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1973.
BRASIL. Lei n.9394, Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Editora do Brasil.
BRASIL. Ministério de Educação e do Desporto. Referencial curricular nacional para educação infantil. Brasília, DF: MEC, 1998.
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